Marcos Cesário


Posando tempos

Estes cartões atravessaram alguns tempos, inclusive os de Lili Gonçalves, para nos encontrar aqui deste outro lado de tempo. Tenho a impressão que sou olhado quando olho para cada um deles. E quando tento interpretar estas poses oníricas, armadas, mas oníricas. Sinto-me cúmplice, tanto com os retratados quanto os fotógrafos que tentavam buscar a naturalidade da pose. Alguns conseguiram, outros não. Mas não é isto que conta, não agora. Estes retratos sobreviveram à vida e à morte de cada fotógrafo, de cada fotografado, sobreviveram à Lili para nos dizer que as palavras e os retratos existem para que possamos reinventar cada tempo  com as imagens familiares de  nossa  vista limitada. Viver é alargar miopias.
O que busco em cada retrato que tento escutar é o silêncio que está, lá, em cada pose. Eu sei que está lá.
Aquelas crianças brincado de pose. Como cresceram e em que direção?
Aquelas garotas  podiam sonhar com o quê enquanto posavam?
Como viveu aquele casal de noivos? Eram noivos de fato? Há fatos?
 O Fotógrafo-Poeta Manoel de Barros tentou, tentou mas não foi fácil: “Foi difícil fotografar o sobre”. Sim Manoel, e eu aqui tentando me enxergar sob cada postal de uma paisagem que nunca poderei enxergar. Mas, é um direito de cada geração posar de intérpretes das gerações anteriores.
Viver a Estória não é interpretar os símbolos de símbolos e acrescentar nossos desejos e medos?
Hermann Hesse enquadrou, focou e disparou: “Permanente é o símbolo. Jamais o é o retrato”.
Proust é que sabia retratar muito bem, reinventava sua memória dentro de sua xícara de chá. Manoel, Proust também fotografou o sobre do sob. Proust retratou e revelou: “O que com tanto vigor me desvendava a sensação do Tempo já não era apenas a transformação dos moços de outrora, mas também a que aguardava os de hoje”.
E releio estas dedicatórias...
“Querida Lili... Carinhosa Lili... Mademoiselle Lili... Ingrata Lili...”
Quando reenquadro estas dedicatórias, quando leio as poses destes retratos, me imagino dentro do tempo de cada um deles. Assim como um eu amanhã, tentando em vão interpretar o estado de espírito de um outro eu hoje. Eu sei, é só um devaneio fruto de minha imaginação... Só? Não, é tudo. “A imaginação é mais importante que o conhecimento”(Albert Einstein). Isso já sei.