Lili em nós


Um velho álbum de cartões postais, de cor violeta, andava esquecido em uma estante secular de madeira. Dividia espaço com dois antigos álbuns de família e uma dezena de livros impressos em francês. Tudo o que se encontra nesta estante faz parte do passado longínquo de uma família que se esqueceu de preservar boa parte de sua memória.
Na Fazenda Piabas, Lili, que nasceu no final do século XIX, passava seus dias a esperar notícias dos seus, e eis que ela guardou consigo mais de duas centenas de mensagens a ela destinadas, através de belos e curiosos postais. Todos eles acabaram por se tornar uma coleção, delicadamente guardada no álbum violeta.
A Mademoiselle, a Miss ou a Senhorita Lili, como se referiam a ela nos cartões, recebia os desejos, os afetos, as saudades, os ósculos, os amplexos, as tristezas, as frustrações e as alegrias de pessoas queridas, que se encontravam em outras paragens e que dedicavam a ela algumas palavras, escritas à pena.
Lili Gonçalves não se casou e não teve filhos. Estudou. Formou-se professora. O coração, o seu coração, que tanto os amigos e parentes dedicavam palavras carinhosas falhou em 16 de agosto de 1957. A Mademoiselle Lili morreu aos 68 anos. Seus postais são vestígios de uma vida que se completava apenas com suas correspondências? Quais foram os verdadeiros desejos de Lili? Talvez os cartões, datados de 1904 a 1950, nos transmitam alguns vestígios, talvez...
O ano é 2012. A senhorita Emiliana Gonçalves Carvalho, eu, Mily, herdeira do nome de Lili, faço este preâmbulo. Ao meu lado, o velho álbum de cor violeta, descascado, parcialmente comido pelas traças está sobre a mesa. Dentro dele as letras que inspiram estas que escrevo agora.
Ao meu lado meus contemporâneos: os historiadores Valter de Oliveira e Sandra Gama, o poeta Pedro Sá, a pedagoga Maisa Antunes e o fotógrafo Marcos Cesário resignificam Lili Gonçalves, que gostaríamos de termos conhecido para talvez compartilharmos com ela segredos, que como os nossos, acostumaram a ficar nos versos de nossos tempos escondidos, guardados.